I. Introdução
Como ser feliz e evitar a infelicidade? Como ter uma vida serena mesmo sob as adversidades da vida? Perguntas milenares como essas são os assuntos dos quais os Estoicos discutem, mas o que eles têm a nos dizer sobre isso? A filosofia, em geral, é conhecida por tratar de questões complexas e profundas, como a origem do universo, vida, mente e etc. longe do entendimento das pessoas comuns e do dia-a-dia, mas poderia ela nos apresentar lições práticas importantes para nossa vida? Neste artigo tentarei responder a essas questões através da minha visão do Estoicismo.
O primeiro filósofo Estoico chamava-se Zenão de Cítio, ele fundou o Estoicismo em Atenas (Grécia), no início do século III a.C. O termo “Estoicismo” vem do local onde os adeptos dessa doutrina se reuniam, o Pórtico Pintado, que em grego fica Στοά (Stoá) Ποικίλη (Poikíle) daí vem o nome Στωϊκός (Stoikós), os “filósofos do pórtico”.
II. O Mundo Incontrolável
“Não é o que acontece com você, mas é como você reage que importa.”
— Epicteto
Para o Estoicismo, há uma diferença entre o que chamarei de “mundo interno, que é a nossa mente e suas interpretações e reações ao mundo exterior, e o “mundo externo”, que seria todo o resto fora da nossa mente. O primeiro — mundo interno — está no alcance do nosso controle, já o segundo — mundo externo — não está.
Então, a lição é muito simples; se preocupe mais com o “mundo interno” e menos com o “mundo externo”, pois, por mais que possamos ter influência no mundo externo, ele nunca estará sob nosso controle, se preocupar com ele e tentar controla-lo apenas será um desperdício de energia que trará insatisfação quando se percebe que não é possível adequá-lo à forma que queremos.
Coisas como a visão que os outros têm de nós e crises econômicas são situações das quais não temos controle, se preocupar com elas é inútil, mas podemos adequar nossas ações e principalmente nossos pensamentos a buscar aprimorar aquilo que está ao nosso alcance — nosso caráter, estilo de vida, valores, habilidades, corpo — , porque enquanto mantivermos nosso foco no problema incontrolável, manteremos nosso foco justamente no que nos deixa mal, naquilo que não podemos controlar, nos atrapalhando no processo que realmente dá resultados; o autoaperfeiçoamento. E como já dizia Marco Aurélio, imperador romano Estoico:
“Não perca tempo discutindo sobre o que um homem bom deveria ser. Seja um.”
Ou também:
“Muito pouco é necessário para uma vida feliz; está tudo dentro de você em seu modo de pensar.”
III. O Mundo Sob Rédeas
Já a nossa mente, está sob nosso controle, como vamos reagir ao mundo externo através de nossas ações e o que vamos pensar das pessoas ou de qualquer coisa é algo sob nosso controle, e é justamente isso o mínimo necessário para ser feliz; que tenhamos controle sob nossos pensamentos e os alinhemos para aquilo que controlamos e podemos apreciar e o tiramos daquilo que não possuímos controle. As pessoas que tem impulsos de comprar sem parar e preencher os vazios de sua alma com objetos, caem no erro de tentar corrigir um problema do “mundo interno” com coisas do “mundo externo”, tentam corrigir o mundo em torno delas com objetos, mas não corrigem o mundo mais próximo delas, que são elas mesmas.
Se você é um adolescente que acaba sofrendo por ir a um ambiente que lhe desgasta mentalmente como a escola, — reclamação comum hoje em dia — reclamar disso, remoer isso e ficar pensando nisso apenas irá fazer este ambiente que te desagrada ficar mais emaranhado em sua mente do que nunca, trazendo sofrimento a cada dia mais ao acordar e perceber, mais uma vez, como todo ser humano, que o mundo não é como você queria que fosse. Sêneca, filósofo Estoico, já dizia:
“Se você realmente quer escapar das coisas que o incomodam, o que você precisa não é estar em um lugar diferente, mas ser uma pessoa diferente.”
Entenda que nem tudo é como gostaríamos que fosse, que você não pode fazer nada além de aceitar certas coisas como elas são por enquanto, que você não deve se desgastar focando naquilo que não trará nada ao focar-se, e, principalmente, que você deve trabalhar naquilo que você pode ter avanço, o que vale não é o tamanho do bem que você faz ao mundo, mas sim fazer o bem quando tiver a oportunidade de fazê-lo, melhorar suas habilidades e estado mental mesmo quando essas coisas não o tornarem alguém grande na visão dos outros, pois assim como você nunca vai controlar o “mundo externo”, o auto aperfeiçoamento é algo que o “mundo externo” nunca vai conseguir te tirar. O foco e esforço neste mundo (interno) moldam quem você é, estarão contigo enquanto cultiva-los.
O amor de uma pessoa pela qual você se esforçou tanto para ter, no final das contas, não está sob seu controle, você tem influência, mas está nas mãos da outra pessoa, fora de seu alcance, por isso o jogo do amor, por exemplo, é um jogo perigoso; pode nos trazer grande felicidade quando tentamos verdadeiramente deixar o outro feliz e ficar com ela, assim como pode nos destruir por dentro ao sermos rejeitados e abandonados. Você não precisa evitar de amar as pessoas por isso, precisa na verdade ter em mente que idealizações e paixões sem fundamento vão te passar a perna, não seja uma pessoa amável só para conquistar alguém. Seja amável por essência. Não se esforce em um trabalho apenas para impressionar seus amigos. Seja esforçado em seus trabalhos por essência.
Vale deixar claro que não se pode confundir essas lições com inanição perante o mal, coisas ruins do mundo e problemas, afinal, o que está ao seu alcance, faça, mas lembre-se que o resultado nunca é algo sob seu controle, então foque no processo em si de fazer o bem, algo sob seu controle, e não no resultado disso, algo fora de seu controle. Seja bom.
IV. Libertando-se da Pathos
“Muitas coisas não ousamos empreender por parecerem difíceis; entretanto, são difíceis porque não ousamos empreendê-las.”
— Sêneca
Quando nos preocupamos demais com as coisas ao nosso redor, e, de certo modo, quando nos preocupamos demais com a nossa vida, acabamos sendo “escravos do destino”, pois ao deixarmos a preocupação perante o incontrolável tomar conta de nós, acabamos por deixar de fazer aquilo que queríamos, abandonamos projetos por medo das pessoas não gostarem, paramos de sair por medo de que qualquer tipo de desastre possa ocorrer, deixamos de fazer amizades e amar as pessoas por medo de nos machucarmos, no final das contas, paramos de viver ao tentar proteger nossa vida.
As paixões, preocupações e submissão, aquilo que Descartes chamava de Pathos, os sentimentos que nos prendem, que nos tornam passivos de tudo, isso é oque nos torna escravos de tudo à nossa volta, das opiniões, das crises, do medo, do destino. Para se tornar senhor de si mesmo e não um escravo do mundo, deve-se abandonar as paixões que te fazem idealizar o irreal, as preocupações perante coisas que nem aconteceram ainda ou que você sequer tem controle, a submissão à opinião alheia e a vontade dos outros, ou seja, desprender-se da pathos.
Entenda que você é dono de suas vontades, que a única coisa sob seu controle é você mesmo, e que, se você deixar que o mundo ao seu redor tome conta disto, a sua infelicidade e escravidão serão garantidas. Cuide-se, aprimore-se, reflita e cresça.
V. As Virtudes Estóicas
O Estoicismo também nos deixa algumas virtudes para nortear nossas ações rumo a sermos bons e felizes, são as quatro virtudes Estoicas, compostas por:
- Coragem
- Justiça
- Temperança
- Sabedoria
Precisamos, antes de tudo, da sabedoria para entendermos como as coisas são e o que somos, para então pensarmos em como agiremos. Após entendemos como as coisas são precisamos de justiça para medirmos quais dessas ações são corretas ou não, do autocontrole para evitarmos cair nos vícios e paixões que nos levam a tomar decisões estúpidas e que fogem da justiça e por último e não menos importante, da coragem, para aplicarmos isso ao mundo externo, para lidarmos com as adversidades.
Para encerrar esse artigo, deixo outra frase de Sêneca, que mesmo tendo sua origem há séculos atrás, parece descrever o mundo atual, talvez porque mesmo que a tecnologia tenha avançado, ainda somos os mesmos humanos imperfeitos de sempre:
“Nós estamos normalmente mais assustados do que machucados. E sofremos mais na imaginação do que na realidade.”
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Publicado originalmente aqui.