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Mulheres Estoicas: 5 mulheres e suas lições

Lina Távora

Há ainda um grande espaço a ser pensado, pesquisado e averiguado sobre a relação entre mulheres e Estoicismo. Há mulheres que podem nos inspirar a seguir o caminho da excelência, da virtude, da sabedoria, sendo ou não próximas à filosofia estoica. Que tal olhar com lentes estoicas a vida, as palavras e os atos de algumas mulheres contemporâneas? Que tal colocar em foco essa relação de mulheres e Estoicismo?  

Estudar o Estoicismo hoje em dia não é apenas sobre ler os filósofos antigos e os seus textos clássicos - o que vale muito a pena - mas é também sobre encarar o nosso dia a dia, nossas práticas e nossos modelos e exemplos sob a perspectiva de uma filosofia que acompanha o seu tempo. A filosofia não é algo distante, deve estar presente no nosso dia a dia, em cada escolha que pareça boba, no que compartilhamos nas nossas redes sociais ou como falamos das e com as pessoas. 

A partir dessas ideias, trazemos aqui algumas mulheres contemporâneas de diferentes áreas e algumas práticas estoicas que podemos tecer a partir de suas vidas.

Maya Angelou

Maya Angelou (1928-2014) foi uma ativista negra, escritora, poeta e professora, além de ter trabalhado como atriz e cantora. Uma caminhada extraordinária, no meio de uma vida marcada por violências e preconceitos. A força de suas palavras é transformadora, sua escrita é clara e poética. Maya Angelou, que teve um filho, oferece no livro Carta a minha filha um percurso de lições aprendidas e relatos sobre “amadurecimento, emergências, uns poucos poemas, algumas histórias leves para fazê-la rir e algumas para fazê-la meditar”.

Ao falar a essa filha, que pode ser qualquer um de nós, escreve de forma epistolar as lições de vida que quer passar, assim como fez Sêneca em suas cartas ao amigo Lucílio:

“Sempre que suas cartas chegam, imagino que estou com você, e tenho a sensação de que estou prestes a falar a minha resposta, em vez de escrevê-la”.

Com essa escrita por missivas nos sentimos próximos de Maya. A escritora destaca a importância da coragem, que para ela é a mais importante das virtudes. Marco Aurélio diria que é a justiça, mas o que seria uma sem a outra? Maya Angelou traz uma tradução poética sobre a dicotomia do controle e sobre o poder de transformar os obstáculos a nosso favor, ideias tão bem defendidas e disseminadas pelos estoicos.

“Você não pode controlar todos os fatos que acontecem em sua vida, mas pode decidir não ser diminuída por eles. Tente ser um arco-íris na nuvem de alguém. Não se queixe. Faça todo o esforço possível para modificar aquilo de que não gosta. Se não puder mudar algo, mude a maneira como pensa. Talvez você encontre uma nova solução” – Maya Angelou

Maya fala sobre aceitar o que não podemos controlar, amar o destino, não reclamar, ser luz na vidas das pessoas – e mesmo assim lutar por transformações, se não for possível as externas, que sejam as internas. Essas ideias podem ser relacionadas ao Amor Fati.

“Minha fórmula para a grandeza de um ser humano é o amor fati: que ninguém queira nada diferente, nem para frente, nem para trás, nem por toda a eternidade. Não meramente suportar o que é necessário, ainda menos escondê-lo… mas amá-lo” – Friedrich Nietzsche, em Ecce Homo, Porque sou tão esperto, §10

A escritora soube transformar as dificuldades de sua vida em um importante legado. Ela teve muita coragem, agiu com justiça e valorizou e semeou a sabedoria. Quando começou a dar aula percebeu que “não era uma escritora que ensina, e sim uma professora que escreve”.

No mesmo livro, Angelou conta sobre um encontro que teve com uma produtora de televisão que queria adaptar um de seus contos. A partir do primeiro momento, percebeu que a interlocutora a estava “atacando sutilmente” – o que ela confrontou com franqueza e simplicidade. Com uma resposta ainda mais deselegante de quem a tinha lhe convidado para a reunião, Angelou descreve a sua reação:

“Mantive as mãos no colo e trouxe o queixo para perto do peito. Ordenei a mim mesma que fosse gentil”.

Responder com gentileza não é tarefa fácil quando nos sentimos atacados, é ato de percepção dos sentimentos e de controle. É não agir a partir do impulso inicial. É controlar a raiva.

“A ira é um impulso da alma que visa a ser nocivo para com aquele que foi ou quis ser nocivo” – Lactâncio, em Sêneca, Sobre a ira.

Assim, agir com gentileza é voltar-se à razão, e não se deixar sucumbir à raiva ou à ira, que podem ser tão prejudiciais. Esses sentimentos podem ser venenosos para você e para os outros, e devemos agir tendo em mente que estamos todos conectados (Sympatheia). Descartar a raiva e optar pela gentileza é pensar, mais uma vez, na dicotomia do controle: você não pode dominar como as pessoas o tratam, mas pode controlar a sua resposta. Desfaça a cara feia, coloque suavidade no seu rosto, coloque as mãos no colo, como fez Angelou. 

“Desviemos para o sentido contrário todos os seus indícios: que o rosto se descontraia, a voz fique mais suave, o passo mais lento; aos poucos, às disposições exteriores se conformam as interiores”. –  Sêneca, Sobre a ira.

Se o que falamos até aqui o fez pensar em passividade em face de injustiças (pessoais ou coletivas), alertamos que não é por aí. Há que se posicionar, mas até para isso, agir com racionalidade é o melhor caminho, e quando irado, seus julgamentos e ações estarão comprometidos. Lembre-se que as virtudes cardeais do Estoicismo devem ser seguidas de forma interconectadas: Sabedoria, Justiça, Coragem e Temperança. Uma influenciando a outra.

A escritora conta também que uma vez a sua mãe disse para ela: “você é muito gentil e muito inteligente, e esses dois elementos nem sempre andam juntos. A sra. Eleanor Roosevelt, a dra. Mary McLeod Bethune e minha mãe… É, você pertence a essa categoria”. 

Também, como Angelou, seja gentil e ame a sabedoria. Siga as duas frentes juntas.

Há ainda mais uma ideia estoica que destacamos no livro de Maya Angelou. Maya começa o livro com a seguinte frase:

​​“Acredito que nos sentimos mais seguros quando dentro de nós mesmos encontramos nossa casa, um lugar ao qual pertencemos e talvez o único que realmente criamos” – Maya Angelou

O trecho nos fez pensar sobre a ideia da palavra grega Euthymia, a tranquilidade da alma. Para alcançar esse estado inabalável da mente, Sêneca nos aconselha a ter confiança em nós mesmos e seguir pelo “caminho reto”.

Seguir um caminho reto é um tema recorrente para o estoico. Entendo esse “caminho reto” como algo mais profundo, de definição de um propósito ou de um rol de valores, do que simplesmente seguir uma vida sem alterações. Assim, a ideia surge de uma elucidação de nossos grandes princípios e, a partir deles, de não ceder a constantes extravios, desvios e desistências

As ações em si, os nossos cursos e percursos, trabalhos e até relações podem ser alterados, afinal, a mudança é parte intrínseca da vida. Mas ter esse sentido maior é, voltando ao início, encontrar nossa casa em nós mesmos. Torna, assim, nossa tomada de decisão mais serena, pois sabemos que estamos debaixo de um guarda-chuva de valores que nos protege das tempestades.

“Confia em ti. Alegra-te contigo. Afasta-te o quanto podes das coisas alheias. Dedica-te a ti mesmo. Não te sensibilizes com prejuízos materiais. Enfim, procura interpretar com benevolência os fatos adversos” – Sêneca, em “Da tranquilidade da alma”.

É com confiança, alegria, autoconhecimento e com a certeza de que o caminho para a quietude é interno que podemos seguir, nem sempre com 100% de certeza, nem sempre com toda a energia, mas dando um passo na frente do outro, sem pressa, suave.

É assumir a responsabilidade sobre nós, é aprender a não se comparar com as outras pessoas, afinal, não sabemos qual o guarda-chuva delas. Temos que saber sim qual o nosso!

“Ter uma vida em expansão depende da nossa resposta àquilo que cabe exclusivamente a nós” – Epicteto, em A arte da vida.

A escrita e a história de Maya Angelou são lições poéticas de como encarar a vida, são ensinamentos sobre a arte de viver. E isso é filosofia. Filosofia não é apenas o amor à sabedoria, mas a busca pelo bem viver, de forma equânime. Se há um aprendizado que pode nos ajudar nessa busca do bem viver é assumir uma atitude de gratidão.

Agradecer o que acontece e ter uma postura de encantamento com a vida ajuda a acertar nossa rota. Não é reclamando que conseguiremos ter forças para mudar algo. Não é se odiando que vamos nos desenvolver. Não é nos envenenando com mágoa e rancor que vamos conseguir produzir algo de bom nessa vida.

Essa atitude de gratidão pela vida, tem que servir nos dias ensolarados, mas também nos dias de tempestade. É isso que Angelou traz de forma tão bela:

“O navio da minha vida pode ou não estar navegando por mares calmos e tranquilos. O dias desafiadores da minha existência podem ou não ser brilhantes e promissores. Em dias tempestuosos ou ensolarados, em noites gloriosas ou solitárias, mantenho uma atitude de gratidão”.

Sêneca apresenta o sentido de gratidão com as outras pessoas. Mas nos alerta que mesmo nesse sentido a gratidão é um benefício para nós mesmos. Uma atitude que carrega a sua recompensa em si, na própria realização.

“Devemos tentar por todos os meios ser o mais grato possível. Pois a gratidão é uma coisa boa para nós mesmos, num sentido em que a justiça, que comumente se supõe diz respeito a outras pessoas, não o é; a gratidão retorna em grande medida a si mesma. Não há um homem que, quando tenha beneficiado o seu próximo, não se tenha beneficiado (…) a recompensa por todas as virtudes está nas próprias virtudes. Pois elas não são praticadas com vista a recompensa; o salário de uma boa ação é tê-la executado” - Sêneca, Carta LXXXI, Sobre Favores e sua Retribuição

Maya Angelou aprendeu a utilizar essa atitude de gratidão em um momento muito difícil de sua vida, trabalhando muito e com medo da dificuldade de “criar um menino negro para ser feliz, responsável e liberal em uma sociedade racista”. Ela, após pensamentos suicidas, resolve procurar seu mentor, seu professor de voz. Ele a entrega um bloco de papel e uma caneta e pede que ela escreva todas as suas bênçãos.

“Obedeci às ordens de Wilkie e, quando cheguei à última linha da primeira página do bloco, o agente da loucura estava completamente derrotado”.

Se os dias são de tempestade, pegue a caneta e o papel e faça como Maya. Sinta-se, assim, abençoada.

Toni Morrison

A escritora Toni Morrison Nasceu em 18 de fevereiro de 1931 e morreu em 5 de agosto de 2019, aos 88 anos. Ela recebeu o Prêmio Nobel de Literatura (1993), tendo sido a primeira escritora negra a ganhar o prêmio, e o Pulitzer (1988). Em seu belo e poderoso discurso de aceitação do Nobel depois de se tornar a primeira mulher negra a receber o prêmio Toni Morrison fala sobre o poder da linguagem e toca em um ponto disseminado pelos estoicos - Memento Mori.

“Nós morremos. Esse pode ser o sentido da vida. Mas nós fazemos a linguagem. Essa pode ser a medida das nossas vidas” – Toni Morrison.

Os estoicos falam bastante sobre a morte e defendem que devemos pensar sobre ela de forma cotidiana (Memento Mori). E para que pensar sobre a morte? Porque, antes de tudo, essa é uma certeza que todos temos. Se esse veredito é para todos, por que esperamos um diagnóstico ou idade avançada ou qualquer outra questão para ajustar as nossas relações, agradecer pequenos e grandes feitos que pessoas próximas fizeram por nós ou mesmo viver de forma mais leve conosco?

 Peça perdão, agradeça, viva. Amanhã, não é certo para ninguém. Mude sua relação com a morte para que a sua relação com a vida mude também. 

 “É a nossa noção da morte, a ideia que fazemos dela que é terrível, que nos aterroriza. Existem muitas maneiras de pensar na morte. Examine suas noções a respeito da morte – e também sobre tudo o mais. Essas noções são de fato verdadeiras? Fazem algum bem a você? Não tema a morte ou a dor, tema o medo da morte ou da dor” - Epicteto

É nesta linha que Toni Morrison traz o alerta sobre a nossa mortalidade: para debater o poder da linguagem, da escrita, da criação, de vivermos a vida e a versão que queremos de nós. A escritora fala sobre a linguagem que oprime e que, assim, é a própria violência; e sobre a linguagem que possibilita a libertação. 

 “(...) o ofício da palavra é sublime, pois criador; inventa o sentido que assegura nossa diferença, nossa especificidade humana o modo como não somos iguais a nenhuma outra forma de vida” – Toni Morrison.

Ruth Bader Ginsburg

Ruth Bader Ginsburg (1933-2020) foi a segunda mulher a ser indicada para a Suprema Corte dos Estados Unidos. Professora, advogada dos direitos das mulheres, juíza federal e, então, membro da Suprema Corte: uma vida e uma carreira nada ordinária da Notória RBG. Ela faleceu aos 87 anos, em decorrência de um câncer. 

O seu projeto foi tão grande quanto o seu legado. Sua luta apontava o sexismo em leis e em seus julgamentos pela sociedade, e o seu empenho direcionava-se para as suas desconstruções. 

Ginsburg soube trilhar o seu caminho com senso de estratégia e uma seleção cuidadosa de casos, um por vez, começando a descortinar a barreira constitucional contra a discriminação sexista. 

Para RBG, qualquer tratamento diferenciado entre homens e mulheres não deve: “criar ou perpetuar a inferioridade jurídica, social e econômica das mulheres”. A Notória RBG deixou o seu legado. Sua ação no mundo impactou o seu tempo e mudou o que viria pela frente. Ela questionou convicções estabelecidas, com muito trabalho e compromisso. 

Justa, corajosa e sábia, com sua expressão sempre calma, RBG tornou-se ícone inclusive para as novas gerações. Um exemplo que descarta a ideia de que devemos desistir de nossa mente, de nosso trabalho ou de nossos projetos em idade avançada. Muito pelo contrário. Ela trabalhou incansavelmente, mesmo passando por problemas graves de saúde e pela morte de seu parceiro (no dia seguinte já estava trabalhando). 

Sobre o seu próprio legado, RBG afirmou:

“Tornar a vida um pouco melhor para as pessoas menos afortunadas do que você, isso é o que eu acho que é uma vida significativa. A pessoa vive não apenas para si mesma, mas para a sua comunidade” - Ruth Bader Ginsburg.

O trecho pode ser pensado como uma lição sobre a ação em prol da comunidade humana, o que nos remete ao conceito de Sympatheia. O conceito fala que somos feitos uns para os outros, para nos ajudar, para trabalharmos juntos, como pés e mãos. Se uns sofrem, todos sofremos. Se algo não é bom para uns, não será bom para ninguém. Estamos todos interconectados. Essas lições são ensinadas – e repetidas de diversas formas – por Marco Aurélio, em Meditações. O conceito de Sympatheia é algo que precisa ser praticado, precisa transformar-se em ação – em prol desse bem comum

A manutenção do caráter em âmbito pessoal e o direcionamento ao bem comum são frentes complementares. Para Marco Aurélio, “Os frutos dessa vida são um bom caráter e atos para o bem comum” (Meditações, 6. 30). Não tem como ser mais direto do que isso. Marco Aurélio descreve essas duas vias que devemos buscar sempre. Somos responsáveis pelo aprimoramento e pela manutenção do nosso caráter, somos responsáveis por nossos semelhantes. Pense no que você pode fazer pelo outro. Mostre humanidade, com coragem, justiça, sabedoria e temperança. Façamos a nossa parte.

Brené Brown

A hoje reconhecida escritora Brené Brown (1965) escolheu ficar longe dos holofotes por muito tempo, até se deparar com a famosa citação de Theodore Roosevelt: 

“O crédito pertence ao homem que está realmente na arena, cujo rosto está manchado de poeira, de suor e de sangue; que se esforça bravamente; que erra, que falha repetidamente, porque não há esforço sem erro e falha…”.

Assim, ela decidiu que queria viver com bravura, com Coragem. Queria ser uma mulher na arena! Ela sabia o que significava estar na arena: cair muitas vezes e levar uns golpes fortes da vida.

“Ousar com grandeza é ser vulnerável. Então, quando você se pergunta: ‘Eu ousei muito hoje? A grande pergunta que faço é, ‘Quando tive oportunidade, escolhi a coragem ao invés do conforto?'” - Brené Brown, em Tools of titans

A citação de Roosevelt nos remete a um trecho de uma das cartas de Sêneca a Lucílio:

“Nenhum lutador pode ir com alta expectativa para a luta se ele nunca foi espancado; o único concorrente que pode entrar com confiança na luta é o homem que viu seu próprio sangue, que sentiu seus dentes chocalhar sob o punho do seu adversário, que foi derrubado e sentiu toda a força da carga do seu adversário, que foi abatido não só no corpo, mas também em espírito, aquele que, quantas vezes cai, levanta-se novamente com maior teimosia do que nunca” - Sêneca, Carta XIII, Sobre Medos infundados

Não se vive a vida na teoria: é preciso ir para a arena. Seja no âmbito profissional, seja na criação de laços afetivos, seja na busca interna para descobrir e atenuar os seus vícios. 

Elizabeth Gilbert

A escritora Elizabeth Gilbert (1969) do livro que virou filme Comer, rezar, amar conta em Grande Magia, que aos 16 anos fez votos de “ser fiel à escrita pelo resto da vida”.

“Não prometi que seria uma escritora bem-sucedida, pois sentia que o sucesso não estava sob meu controle. Também não prometi que seria uma grande escritora, porque não sabia se poderia ser grande. Além disso, não estabeleci nenhum limite de tempo para o trabalho”.

Liz Gilbert apostou no processo, no que ela podia controlar. Aplicou a dicotomia do controle, e entendeu que sob o seu poder estava a prática e a dedicação à escrita e à criatividade. Escrevia sem parar, todos os dias, nem que fosse por 30 minutos. Escrevia sem esperar que os resultados a levassem à fama, ao sucesso ou mesmo que a sustentasse financeiramente. Era ela quem sustentava o seu ofício de escrever com outros trabalhos – e só foi viver apenas da escrita após o sucesso de seu livro Comer, rezar, amar.

A dicotomia do controle é essa relação entre o que está e o que não está no nosso poder, nas nossas mãos; e na capacidade de identificar a diferença, agir diante do primeiro e aceitar o que se encontra no segundo grupo.

“1. Das coisas existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa ― em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos ― em suma: tudo quanto não seja ação nossa.

2. Por natureza, as coisas que são encargos nossos são livres, desobstruídas, sem entraves. As que não são encargos nossos são débeis, escravas, obstruídas, de outrem” – Epicteto, em Manual de Epicteto

Como bem coloca a oração da serenidade, utilizada pelo grupo de apoio dos alcoólicos anônimos:

“Concedei-nos ‘Senhor’, a Serenidade necessária
Para aceitar as coisas que não podemos modificar
Coragem para modificar aquelas que podemos
E a Sabedoria para reconhecer as diferenças”.

Assim, a dicotomia do controle nos ensina que o importante internalizar os objetivos e não se preocupar com os resultados em si, porque esses estão fora da nossa gerência. O que está sob o nosso controle? A nossa intenção e os nossos esforços.

Assim, você não deve associar a sua auto-estima ao que você alcança, mas a sua capacidade de se entregar ao processo. O conceito de felicidade estaria, então, associado ao entendimento e à vivência da dicotomia do controle, pois apenas assim encontramos a serenidade.

Liz Gilbert conseguiu dissecar o seu processo de escrita: a interação com a criatividade, as ansiedades e dúvidas pelas quais ela passava a cada obra nova. Encarou com coragem e gratidão todas as etapas do seu trabalho. Compreendeu e aceitou o processo como um todo.

“Prometi que tentaria encarar a escrita com coragem, gratidão e o mínimo de reclamação possível.”

A filosofia estoica não é contra sucesso ou dedicação. Muito pelo contrário. Seus três maiores filósofos tiveram grandes e diferentes profissões. Sêneca foi senador, dramaturgo e assessor. Epicteto, após liberto, foi professor e fundou sua própria escola. Marco Aurélio, imperador. O que o Estoicismo defende, porém, é que o objetivo sempre deve ser a virtude, a excelência; e não ter o “sucesso” como o fim em si. Na verdade, o “fim” está fora do nosso controle, e assim não vale a pena que gastemos nossa energia pensando exclusivamente nele. O processo é o que importa. É aí que devemos dispor de nossas fichas de energia e de dedicação. O processo é a prática. E a prática leva ao desenvolvimento de seu trabalho, seja ele qual for. Escolha o que você quer praticar, dedique-se e acredite no processo.

“A vida tem uma regra simples e generosa: você melhorará em tudo aquilo que praticar”. – Elizabeth Gilbert

Gilbert fala também sobre exercitar a Coragem. Sentir medo pode ser um impulso natural e, vale dizer, pode até nos ajudar a nos proteger de alguns perigos. Medo sem coragem ou sem enfrentamento, porém, é paralisante. O medo que nos trava pode transformar, inclusive, virtudes em vícios. Sem coragem, não há progresso, pois nunca teremos a determinação de ir ao encontro do desconhecido. Coragem como virtude estoica está relacionada a ter confiança, fazer o que é certo, falar a verdade, ter resistência e perseverança ao enfrentarmos desejos, dores e paixões. 

“O medo sempre será despertado pela criatividade, pois ela lhe pede que entre em áreas de resultados incertos, e o medo odeia resultados incertos” – Elizabeth Gilbert

A escritora teve que aprender a conviver com o medo, sentimento que sempre a acompanhou, para seguir o seu processo de vida e escrita criativa. Decidiu aprender a colocar o medo não como uma barreira, mas como uma parte do seu processo. Ela transformou o obstáculo no caminho. Ela olhou para dentro e desvendou o processo de sua escrita, identificou os seus estágios e as formas de superação de cada etapa.

“Após anos de trabalho e dedicação, contudo, descobri que, se continuasse com o processo e não entrasse em pânico, podia superar com segurança cada estágio de ansiedade e passar para o nível seguinte. Tentava me encorajar com lembretes de que esses medos eram reações humanas completamente naturais à interação com o desconhecido” – Elizabeth Gilbert

Para ser a escritora que queria ser, Liz Gilbert teve que entender o momento da chegada do medo – e mais ainda – descobrir que isso não deveria estancar o seu processo, mas que um passo após esse estágio estaria o resultado do seu trabalho.

 “Tudo que você precisa fazer é avançar; compreenderá que algumas coisas são menos temíveis, precisamente porque elas nos estimulam com grande medo” - Sêneca, Carta IV, Sobre os Terrores da Morte

Não devemos simplesmente “fingir até conseguir”, devemos sim realizar (seja a escrita ou qualquer outro ofício) e a partir desse processo ganhar confiança no nosso trabalho. A ação acalma. Não podemos travar ou paralisar. Devemos dar um passo em frente, por mais que pareça pequeno no momento. Devemos saber a direção, identificar o medo e seguir adiante mesmo assim.

“Qualquer que seja o problema, meça-o em sua própria mente, e estime a quantidade de seu medo. Você compreenderá assim que o que você teme é insignificante ou de curta duração” - Sêneca, Carta XXIV, Sobre o desprezo pela morte

* Dedico esse texto a todas as mulheres que têm a coragem de ir para a arena, que lutam por justiça e que agem com bravura – apesar de tudo!

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