Epicteto foi um dos três grandes filósofos estoicos dos quais temos como referência até os dias de hoje, juntamente com Sêneca e Marco Aurélio. Essa tríade nos mostra o quão diversa é a história da filosofia estoica. Seus três maiores filósofos tiveram grandes e diferentes profissões. Sêneca foi senador, dramaturgo e assessor do Império. Epicteto, após libertado da sua condição de escravo/servo, foi professor/mestre de filosofia, fundando sua própria escola. Marco Aurélio foi um dos cinco grandes imperadores.
Epicteto nasceu escravo por volta de 55 d.C., em Hierápolis (atual Turquia), e faleceu possivelmente em 135 d.C em Nicópolis. Seu nome quer dizer “adquirido” ou “comprado”. A região na qual Epicteto nasceu fazia parte do Império Romano e obedecia às suas leis. Uma delas - Lex Aelia Sentia - não permitia a libertação de escravos antes dos 30 anos.
"Durante a época de Epicteto, a escravidão não designava uma única realidade. Embora identificasse uma condição jurídica comum a todos os escravos, a de não ser cidadão, apresentava-se de formas múltiplas e variadas. Suas condições de vida variavam de acordo com a atividade em que eram empregados. Assim tínhamos escravos trabalhando acorrentados, sob péssimas condições, como também havia os que ocupavam funções importantes, que lhes conferiam privilégios e prestígio nos quadros da hierarquia social" - Alfredo Julien, em Epicteto: Testemunhos e Fragmentos.
Conta-se a história que um de seus mestres machucou a sua perna até quebrá-la. Mesmo assim, Epicteto permaneceu calmo, apenas avisando o seu dono que isso iria acontecer caso ele continuasse. Epicteto nesse exemplo e por toda a sua vida demonstra que a liberdade vem da mente e que isso está sob o nosso controle.
Ainda jovem, Epicteto foi para Roma e ficou a serviço de Epafrodito, que foi secretário de Nero (37-68). Percebendo o seu potencial, Epafrodito, não se sabe ao certo por quais interesses, encaminhou Epicteto para aprender com o mestre estoico Caio Musônio Rufo.
“Epicteto tornou-se o mais aclamado de todos os alunos de Musônio Rufo e acabou sendo libertado da escravidão” – Sharon Lebell
Epicteto ensinou em Roma até 94 d.C., quando os filósofos foram banidos pelo imperador Domiciano, que reinou de 81 a 96. Isso nos lembra que o conhecimento amedronta tiranos. O filósofo, então, fundou sua escola em Nicópolis, uma importante cidade localizada na costa oeste da Grécia.
"A dedicação de Epicteto, sua inclinação para a filosofia e o ardor com que abraçou a doutrina estóica proporcionou-lhe uma posição excepcional para exercer o papel de filósofo pregador, passando assim a ser procurado por membros da aristocracia romana para aprimorar a educação e a formação de seus filhos" - Alfredo Julien, em Epicteto: Testemunhos e Fragmentos
O ensinamento de Epicteto inspirou Marco Aurélio – o futuro imperador e escritor de Meditações. Esses são ciclos de ensinamentos e aprendizagem que percorrem a filosofia estoica. Em seu Meditações, Marco Aurélio agradece ao seu mestre estoico por tê-lo introduzido aos conhecimentos de Epicteto:
"eu devo a Rústico ter me familiarizado com os discursos de Epicteto, os quais me foram comunicados a partir de sua própria coleção".
Outras diversas vezes, o imperador-filósofo cita como referência o escravo-liberto-filósofo.
Epicteto – que de forma tão brilhante descreve a dicotomia do controle, entre outros ensinamentos – não deixou escritos seus. A sua filosofia permanece até os dias de hoje pelas obras: “Encheirídion de Epicteto” (“Manual de Epicteto”) e as Diatribes (ou Discursos), ambas editadas por Lúcio Flávio Arriano, seu aluno.
“A verdadeira filosofia é, evidentemente, o amor à sabedoria. É a arte de viver bem a vida” – Epicteto
Um manual para viver bem a vida
Era isso que queria Epicteto: ensinar – de forma ampla, clara e objetiva – a viver bem, a viver de forma virtuosa. Para Epicteto, o progresso moral não seria um privilégio dos filósofos, e poderia ser alcançado por todos, com treinamento e esforço diário.
“Considera-se bem-sucedido quando suas ideias eram apreendidas com rapidez e postas em uso na vida real por alguém, quando podiam efetivamente fazer algum bem ao enobrecer o caráter daquela pessoa”, afirma Sharon Lebell sobre o filósofo.
Lebell, nesta linha de pensamento, deu uma nova interpretação – atualizada à contemporaneidade – aos textos de Epicteto no livro “A arte de viver: o manual clássico da virtude, felicidade e sabedoria”.
Os estoicos, em especial Epicteto, falam bastante sobre as nossas impressões ou representações (phantasiai) e de como devemos colocá-las em perspectiva. Devemos questionar o que sentimos em relação a um fato externo, ao que ele realmente é. Podemos entender que as coisas são como as sentimos, essa separação pode parecer até absurda, mas comece aos poucos.
O destino não está contra você, o seu chefe não está contra você, sua família não está contra você. As coisas são como são, infelizmente, sem ligar muito para nós! Por isso, devemos ser nossos próprios salvadores no exercício de afastar os nossos demônios.
“Faça seu o costume, portanto, de confrontar toda a impressão grosseira com as palavras: ‘Nada mais és que uma impressão e não representas aquilo que pareces ser’”– Epicteto
Para Epicteto, o progresso moral não era algo natural, mas exigia treinamento, com esforço diário. Ao mesmo tempo, defendia que todos poderiam seguir esse caminho, não apenas os filósofos. Assim, expressava sua mensagem com clareza e simplicidade.
“De agora em diante pratique dizendo para todo o que parece desagradável: ‘Isto é só aparência e de modo algum o que parece ser’. E, então, examine cuidadosamente a questão de acordo com os princípios que acabamos de considerar. Em primeiro lugar: ‘Esta aparência se refere às coisas que estão sob meu controle ou às que não estão?’. Se a questão estiver relacionada com qualquer coisa fora de seu controle, treinar a si mesmo para não se preocupar com ela” – Epicteto
Para Sharon Lebell, Epicteto “recomenda que nos concentremos nas pequenas mas significativas opções morais, as escolhas interiores que fazemos no decorrer de cada dia”.
"Deste minuto em diante, jure que vai parar de decepcionar-se. Desligue-se do resto da multidão. Decida ser uma pessoa extraordinária e faça o que for preciso para isso. Agora” – Epicteto.
Dicotomia do controle
Um dos conceitos centrais do Estoicismo é a dicotomia do controle: a dualidade e a percepção entre o que podemos controlar e o que não podemos controlar. Epicteto descreveu essa lição em suas aulas, dando muita ênfase a esse preceito, descrevendo itens que cabem a um e a outro. É simples de compreender, mas será que é tão simples assim de aplicar? Não, não é. Praticar a dicotomia do controle exige autodisciplina.
Ao identificar em que categoria está submetida uma ação, devemos tirar o peso sobre o que não podemos controlar e concentrar nossos esforços no que podemos controlar. Devemos tentar fazer esse exercício com as questões que nos inquietam no dia a dia: dissecar as ações e as dividir entre esses dois segmentos.
“1. Das coisas existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa ― em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos ― em suma: tudo quanto não seja ação nossa.
2. Por natureza, as coisas que são encargos nossos são livres, desobstruídas, sem entraves. As que não são encargos nossos são débeis, escravas, obstruídas, de outrem” – Epicteto
A dicotomia do controle pode ajudar também em relação aos nossos empenhos para alcançar um determinado objetivo, afinal o estoicismo é uma filosofia da ação.
“A dicotomia do controle é libertadora desta maneira: ela te lembra que você não pode controlar os resultados, mas pode apenas fazer o seu melhor” – Matthew Van Natta
Por sua história de vida, Epicteto é o filósofo da liberdade, mas da liberdade da mente!
No Estoicismo foi quem melhor definiu a dicotomia do controle: saber identificar e diferenciar as coisas que estão e as que não estão sob o nosso poder de ação. O resultado de encarar esse conceito em nosso dia a dia é libertar nossa mente da angústia com preocupação a respeito do que não podemos mudar. A aplicação da dicotomia do controle nos leva a um estado de ataraxia, de tranquilidade frente a tudo o que acontece.