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Mulheres Estoicas: A visão de Caio Musônio Rufo

Lina Távora

Caio Musônio Rufo nasceu por volta de 20-30 d.C. na Etrúria, região atual da Itália Central. Era da Ordem Equestre, estando abaixo da Ordem Senatorial. Rufo morreu por volta do ano 100. Ele nada escreveu, mas, segundo Roberto Radice, no livro Estoicismo, dois alunos seus incumbiram-se disso: Lúcio (do qual nos chegam às 21 diatribes, preservadas por Estobeu) e Pólio.  Musônio foi exilado por Nero, retornando sob Galba; foi exilado novamente por Vespasiano, voltando novamente sob Tito. O filósofo foi o mestre estoico de Epicteto.

As palestras de Musônio são voltadas à prática do Estoicismo, não se atendo tanto à teoria, por isso comunicam-se bem até hoje em dia.

"Elas também nos dão uma visão do que significava, na Roma antiga, ser um praticante estoico" - William Irvine, no prefácio de Musonius Rufus: Lectures and Sayings.

Rufo foi um dos quatro grandes filósofos estoicos romanos, sendo os outros três Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio. O conhecimento atual que temos dele, porém, é muito inferior em relação aos outros três. Musônio Rufo era considerado o "Sócrates Romano". Sua formação se enriquece pela convivência com Trásea Peto, senador de formação estoica condenado por Nero, e pai de Fânia

Para Musônio Rufo: 

"O sinal de um filósofo bem-sucedido não era o aplauso alto dos seus apoiadores. Era o silêncio. Porque significava que o público estava realmente pensando - significava que eles estavam lutando com as ideias difíceis que o orador estava transmitindo" -  Ryan Holiday e Stephen Hanselman

Musônio Rufo é uma referência por defender a igualdade na educação filosófica de homens e mulheres e por rejeitar esse padrão duplo de entendimento. O fato, que parece óbvio hoje em dia, foi um avanço para a época, e é exatamente por isso que o seu legado vem sendo retomado. O filósofo também falava de casamento como algo igualitário no qual os dois deveriam ser devotos um ao outro. Ele falava do casamento de Pórcia e Brutos como uma linda união que inspirava virtude um no outro, além de se apoiarem para enfrentar as adversidades.

“Para ele, o casamento deve ser acompanhado de um companheirismo e amor mútuo que devem sobrepassar inclusive o amor entre pais e filhos e a amizade entre homens (que era uma das relações mais valorizadas na antiguidade). Os casados devem compartilhar os corpos, as almas e as posses. Musônio chega a ilustrar o a vida matrimonial através da figura de dois bois puxando a mesma carroça, bem como na expressão sumpnein (“um mesmo sopro”). Para ele, os amantes devem competir no cuidado mútuo” - Carlos Enéas Moraes Lins da Silva, na dissertação de mestrado O pensamento social do estoico Musônio Rufo: do bom governo

Três séculos antes, Cleantes escreveu um livro intitulado: Sobre a tese de que a virtude é a mesma no homem e na mulher (On the thesis that virtue is the same in a man and a woman). Uma das primeiras e talvez mais conhecidas obras de Zenão, República foi uma oposição direta à obra de mesmo nome de Platão. Ele rejeita os ensinamentos de Platão em favor de uma vida mais simplista, e afirmou que homens e mulheres eram completamente iguais aos olhos da sociedade e não havia injustiça porque todas as ações procediam da razão. Acreditando que todo o universo é uma única grande cidade de deuses e homens sem distinção de raça ou nacionalidade. 

Esses exemplos demonstram que os estoicos tinham essa visão avançada sobre a igualdade de gênero. O Estoicismo é uma filosofia Cosmopolita, ou seja, entendia as pessoas como cidadãos do mundo, irmãos dentro da mesma comunidade humana. 

“Nenhuma filosofia da Antiguidade atraiu para os seus quadros pessoas de tão diferentes etnias, gêneros, classes sociais e orientações sexuais” - Aldo Dinucci, no artigo O caráter cosmopolita do Estoicismo.

Cynthia King, tradutora de Musônio Rufo, aponta outras questões de destaque do filósofo como a sua resistência à autocracia, tendo a coragem de falar a verdade mesmo frente aos poderosos, as suas ideias sobre ética e o fato de ser um romano que expressou suas ideias em grego.

Musônio Rufo e a filosofia para mulheres

As duas palestras do grande estoico romano Musônio Rufo nas quais ele argumenta que as mulheres têm o direito de se beneficiar do mesmo treinamento filosófico que os homens porque são capazes de possuir as mesmas virtudes fundamentais de caráter são: 

  • Mulheres também devem estudar filosofia (Diatribe III) e 
  • As filhas devem receber a mesma educação que os filhos? (Diatribe IV). 

Mulheres também devem estudar filosofia

Em Mulheres também devem estudar filosofia, Musônio afirma que as mulheres receberam dos deuses o mesmo poder de raciocínio que os homens - o poder que empregamos uns com os outros e segundo o qual consideramos se cada ação é boa ou má, honrosa ou vergonhosa. O lema do Estoicismo é Viver de acordo com a Natureza, que significa sermos seres racionais e sociáveis. Assim, o que Rufo está ratificando a igual capacidade das mulheres de viverem a partir dos preceitos estoicos.

“Viver de acordo com a natureza significa usar a razão para melhorar a vida social” – Massimo Pigliucci e Gregory Lopez, em A Handbook for New Stoics.

Além disso, nos aponta Rufo, o desejo da virtude e a afinidade com ela pertencem por natureza não apenas aos homens, mas também às mulheres: não menos do que os homens estão dispostos por natureza a agradar-se por atos nobres e justos e a censurar coisas opostas.

"Sendo assim, por que seria apropriado que os homens, mas não as mulheres, procurassem viver honrosamente e considerassem como fazê-lo, que é o que é estudar filosofia? É apropriado que os homens sejam bons, mas não as mulheres? Consideremos também, um por um, cada um dos atributos que são apropriados para uma mulher que seria boa, pois será evidente que cada um deles viria a ela mais facilmente da filosofia" - Musônio Rufo, em Musonius Rufus: Lectures and Sayings, tradução de Cynthia King.

Rufo fala ainda que a filósofa mulher seria justa, autocontrolada, livre da ganância e do apego, que seria uma boa parceira, colega de trabalho e mãe.

"Uma mulher que estuda filosofia não seria justa? (...) Que mulher seria mais justa do que uma mulher como esta?" - Musônio Rufo

As filhas devem receber a mesma educação que os filhos?

Em As filhas devem receber a mesma educação que os filhos?, Musônio defende que não há dois tipos de virtude, um para o homem e outro para a mulher.Assim, homens e mulheres devem ter bom senso, viver de acordo com a justiça, possuir autocontrole. Segundo Musônio, e é claro que concordamos, é inteiramente apropriado que homens e mulheres tenham a mesma educação e possam desfrutar dos benefícios da filosofia. Se a filosofia pode nos transformar em seres melhores, que praticam o bem, por que privar as mulheres dessa educação?

É interessante que Musônio Rufo argumenta sobre a virtude da coragem, que poderia ser entendida como uma característica apropriada apenas para os homens. Ele, porém, argumenta que também é necessária para uma mulher.

"Na verdade, as mulheres também devem estar prontas para lutar. Como, então, as mulheres podem não precisar de coragem? A tribo das Amazonas, ao derrubar muitos povos com armas, mostrou que as mulheres podem participar de conflitos armados. Então, se algumas mulheres não têm coragem, é por falta de prática e não por coragem não ser uma qualidade inata".

Vale ressaltar que a Coragem é uma das quatro virtudes estoicas cardeais, juntamente com a Sabedoria, a Justiça e a Temperança. A Coragem ou Fortitude – como virtude estoica primária – abarca um conjunto de forças de caráter em que confiamos para nos elevarmos acima de coisas que, de outra forma, poderiam nos arrastar para baixo.

“Coragem não é temeridade inconsiderada; nem amor pelo perigo, nem apetite pelo espantoso; é a ciência de distinguir o que é o mal do que não o é” – Sêneca, Carta 85

Assim, com a educação apropriada, mulheres também seriam treinadas para serem corajosas e virtuosas, praticando a resistência às dificuldades, aprendendo a não temer a morte, a não se abater aos obstáculos no caminho, a evitar o excesso, honrar a igualdade, e a fazer o bem.

"Por que aprender essas coisas convém mais a um homem do que a uma mulher? Por Zeus, se convém que as mulheres sejam justas, é necessário que homens e mulheres tenham aprendido essas mesmas supremas e importantes coisas. Se alguém me perguntar que conhecimento orienta essa educação, eu lhe direi que, assim como nenhum homem seria educado adequadamente sem filosofia, nenhuma mulher também o seria".

Os argumentos de Rufo chegam a ser óbvios, embora ainda sejam necessários de serem expostos até hoje para que as mulheres filósofas sejam conhecidas, reconhecidas e estimuladas a seguir o caminho da virtude.

Photo by Eliott Reyna on Unsplash

A visão de hoje

No artigo O “feminismo” de Musônio Rufo, Juliana Aggio, professora de filosofia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), afirma:

“Musônio compreendia que todos, homens e mulheres, têm as mesmas capacidades morais e que, portanto, devem receber a mesma instrução, independentemente das diferenças de classe ou gênero” – Juliana Aggio.

Aggio continua falando sobre a visão de Musônio Rufo sobre as mulheres:

“A mulher pode filosofar, pois é tanto quanto o homem naturalmente capaz de filosofar e se tornar um bom ser humano, como também deve filosofar, pois é um dever moral se tornar boa e assim poder ser feliz”.

Para a professora de filosofia, porém, “essa defesa é feita com vistas a reforçar a submissão da mulher ao homem e consequente manutenção do poderio masculino”. Na Diatribe 4, quando Musônio Rufo fala sobre as virtudes iguais para homens e mulheres, ele porém faz distinções sobre os efeitos de não possuir essas virtudes de formas bem diferentes:

"Um homem não seria um bom cidadão se fosse injusto, e uma mulher não administraria bem sua casa se não o fizer com justiça" - Musônio Rufo, em Musonius Rufus: Lectures and Sayings, tradução de Cynthia King.

Hoje, essa distinção e visão são inaceitáveis, porém, há que se entender que mesmo assim o contexto para a época colocou Caio Musônio Rufo em posição de destaque para o entendimento das mulheres na filosofia, em especial, das mulheres estoicas.

Photo by Priscilla Du Preez on Unsplash

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