Até um tempo atrás eu era o tipo de pessoa que remoía muita coisa. Numa simples conversa, por exemplo, caso eu falasse algo errado ou expressasse uma ideia ruim, era quase certo de que horas depois eu ficaria repensando o que disse, imaginando outras coisas que eu poderia ter dito e que pudesse resultar em um feedback mais positivo das pessoas. Mas, na mente de um ansioso autocrítico tudo reverbera além do normal. Algo extremamente simples é capaz de fazê-lo pensar por horas a fio.
A autocrítica é uma ótima qualidade se aplicada de forma realista e equilibrada, o que não era meu caso. Em mim, ela havia passado dos limites.
No início achei que era um problema de autoconfiança e baixa autoestima, daqueles que mandam a gente resolver com algumas doses diárias de positividade, mas não era bem isso. Eu sabia que autoafirmações e falas empoderadas não seriam suficientes para resolver meu problema, pelo contrário, poderiam acentuá-los ainda mais.
Logo percebi que isso se tratava apenas de um senso autocrítico exagerado. Sempre cobrei muito de mim, e era do tipo que tolerava muito mais os erros alheios do que os meus próprios. Não quis gastar muito tempo me aprofundando nas origens desse sentimento (embora eu considere útil no longo prazo), eu já tinha uma noção de que eles estavam intimamente ligados à minha criação na infância e a forma como era tratado em meu círculo social.
Mas o problema já estava formado. Infelizmente, esse modus operandi autocrítico me acompanhou até a fase adulta, e algumas vezes ainda é possível ouvir uma voz interna sutilmente crítica e censuradora. A diferença é que hoje eu consigo ser mais analítico e ponho a prova todos os pensamentos que surgem contra mim mesmo, confrontando-os sempre com a realidade.
O que deu início a essa jornada de autoconhecimento e aprendizado foi meu contato com o Estoicismo, através do livro “O Manual de Epiteto", no qual pude aprender uma série de lições sobre ética e uma nova cosmovisão acerca do mundo e de mim mesmo.
Jamais se preocupe com aquilo que não está sob o seu controle.
Essa talvez tenha sido a lição mais importante para mim. Percebi como a minha autocrítica exagerada era alimentada por um desejo inconsciente de agradar a todos. Sempre procurei ser um cara simpático e agradável, e não ser considerado assim por alguém me afetava e eu parecia não aceitar a possibilidade de alguém não gostar de mim. Isso fazia com que eu me tornasse o meu principal crítico, uma vez que a meta nas relações era a de sempre agradar o máximo possível para ser aceito.
Nem preciso dizer o quanto esse comportamento matava a minha espontaneidade. O meu dia a dia era uma constante automutilação para me encaixar nas expectativas dos outros, gerando sempre uma sensação desconfortável em cada interação. Tal mal-estar era consequência da preocupação com aquilo que estava além do meu círculo de ação. Aos poucos fui entendendo que é impossível manipular os sentimentos dos outros para que gostem de nós, pelo menos não por muito tempo. E qualquer tentativa nessa direção, além de drenar todas as minhas energias, fazia com que eu me sentisse cada vez mais frustrado.
Essa paranoia só foi perdendo força quando percebi que gastar tempo pensando em que o outro pensa sobre mim era inútil. Jamais saberemos e não há como controlar os pensamentos de outra pessoa a nosso respeito. E foi basicamente isso que o Estoicismo me ensinou ao dividir os problemas em dois tipos: o que está sob nosso controle e o que não está. Para o que está, tomamos a devida ação. E o que não está sob nosso controle, sequer deve ocupar nossos pensamentos, pois trata-se de um desgaste desnecessário uma vez que efetivamente não há nada que se possa fazer.
Essa visão simplifica muitos de nossos conflitos internos. Quando se faz essa análise fria, percebemos que a maior parte de nossos problemas são na verdade paranoias sem qualquer base na realidade. E daí passamos a focar no que realmente importa e merece nossa atenção.
É claro que isso não resolve tudo, e nem é essa a intenção, mas incluir esse conceito em meu mindset foi crucial para que eu recuperasse minha espontaneidade e passasse a ter mais clareza na resolução dos problemas que surgem no cotidiano sem dar tanta importância às coisas que não dependem de mim. É claro que, após décadas vivendo quase como um impostor, fica difícil esperar que um simples conceito transforme sua vida em 1 semana. Esse exercício de análise deve ser feito cotidianamente. Um hábito mental ruim não pode ser desfeito com leituras superficiais e técnicas rasas de autoajuda. É trabalho duro que envolve empenho, disciplina e análise constante.
Acredite, no fim todo esse esforço valerá a pena.
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Publicado originalmente aqui.