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Uma boa memória

Mateus R. Carvalho

12 de novembro de 2019. Terça-feira. 11h23.

Chega ao fim a música Take It Or Leave It, última do disco Is This It do The Strokes

O algoritmo do Spotify escolhe com maestria a música que começa a tocar em seguida. O silêncio perde o espaço para o riff grudento de Flourescent Adolescent, do Arctic Monkeys.

Sinto o sentimento da nostalgia crescendo dentro de mim… o que me deixa surpreso.

. . .

A música tem um poder de solidificar memórias na minha vida.

Lembro mais facilmente de acontecimentos passados ao lembrar dos álbuns que estava ouvindo naqueles momentos.

Quando lembro dos discos Load, Reload e Garage Inc. do Metallica, imediatamente vêm à memória momentos muito específicos do Mateus de 11 anos jogando MMORPG. 

Na época, eu estava explorando os álbuns menos apreciados da discografia do Metallica, e usava músicas como Die, Die My Darling, cover do Misfits do Garage Inc. como despertador.

Como todo jogador de MMORPG sem uma vida economicamente ativa, eu já acordava pensando em jogar. 

Por estar ouvindo os álbuns durante este período, naturalmente o meu cérebro passou a associar essas memórias.

O mesmo aconteceu com o caminho que eu fazia voltando a pé da escola para casa aos 14 anos. Nesta época, eu estava fascinado com a atmosfera do Opus Eponymous, do Ghost

Sempre que ouço Ghost, sinto como se este caminho se materializasse na minha frente.

E, por fim, aconteceu também com Arctic Monkeys.

A diferença é que Arctic Monkeys não me traz memórias tão boas quanto jogar MMO ou o caminhar da escola até minha casa.

Quando eu estava me aprofundando na discografia dos Macacos do Ártico, eu não estava saudável emocionalmente.

Estava em depressão.

Ficar jogado na cama por dias e chorar antes de dormir eram hábitos rotineiros.

Foi também nesta época que assisti o filme Submarine, e fiquei ouvindo a trilha sonora, um EP solo do Alex Turner, em loop por semanas.

. . .

Hoje, 12 de novembro de 2019, enquanto ouvia Flourescent Adolescent e, depois, o EP Submarine, fui levado de volta a estes momentos de 2015.

Mas, desta vez, fui levado de volta com uma perspectiva diferente… e foi isso o que me deixou surpreso.

Desta vez, o sentimento foi de nostalgia. Como se eu quisesse voltar àqueles momentos em 2015, e experienciá-los mais uma vez.

Até então, quando lembrava da minha versão apática e depressiva, eu queria fugir, evitar estar em qualquer situação parecida com aquela novamente.

Mas, desta vez, por algum motivo, a nostalgia não carregava qualquer tipo de sentimento negativo.

Hoje, por algum motivo, tudo que eu consegui visualizar foi o quão fantástico foram os meses de 2015 em que o Mateus de 17 anos estava aprendendo a gerenciar suas emoções.

Meses em que ele estava descobrindo como era morar em uma cidade grande. 

Meses em que tudo era fascinante para aquele menino que nasceu e viveu por 17 anos em meio a 100 mil habitantes no interior de Minas Gerais, e que mal tinha viajado para fora do próprio estado.

Meses em que, não tendo nenhum amigo na cidade, e nenhum familiar em quem apoiar, ele precisou, pela primeira vez, tomar as rédeas da minha própria vida, e trilhar sua própria jornada.

. . .

Toda esta nostalgia que tive hoje pela manhã, livre de qualquer julgamento ou sentimento negativo sobre o passado, me levou a imaginar um cenário:

Se eu pudesse voltar no tempo e falar com o Mateus de 17 anos que, 5 anos depois, ele se sentiria nostálgico por aquele momento, ele não acreditaria.

“Como é que este sofrendo emocional pode se tornar uma memória positiva no futuro?”

A descrença é entendível.

Na época, a depressão me deixou apático e pouco funcional. Eu sentia que o resto da minha vida seria daquela forma. A catastrofização era um hábito comum.

Sentia como se tudo estivesse em uma espiral negativa infinita. Tudo iria só piorar. Eu nunca iria sentir novamente. Nunca voltaria a ser otimista por qualquer coisa. Nunca conseguiria ver o lado positivo de qualquer situação.

Mas, hoje, todo este peso negativo se perdeu. Ele se originou, em primeiro lugar, por padrões de pensamentos e narrativas que não fazem mais sentido. Na época, o estudo tanto da Terapia Cognitivo-Comportamental quanto do Estoicismo me ajudaram bastante.

Dado que estas narrativas perderam seu peso, hoje eu consigo olhar para trás e me sentir nostálgico por aquela situação que, na época, parecia o fim do mundo.

. . .

Esta nostalgia engatilhada por Submarine me faz pensar: 

“Quais frustrações e sofrimentos eu tenho hoje e que também parecem o fim do mundo?”

Um deles pode ser, por exemplo, o fato de há poucos meses eu ter pedido demissão para embarcar em uma jornada empreendedora que, até agora, não gerou frutos.

Hoje este é, literalmente, o problema mais importante na minha vida.

Nada disso está me causando sofrimento, mas eu estaria mentindo se dissesse que não me sinto frustrado em alguns momentos.

Mas, ao lembrar que, no futuro, irei me sentir nostálgico com esta frustração, e irei desejar ter sentido ela mais uma vez, essa frustração magicamente perde sua força.

Diferente do Mateus de 2015, se o Mateus de 2025 aparecesse agora e me contasse que em poucos anos eu estarei rindo dessa situação, acho que eu acreditaria.

Por mais que os problemas atuais parecem gigantescos, hoje sei que olhando a uma escala de anos eles são completamente irrelevantes.

O Marco Aurélio, dentre os Estoicos, talvez seja o melhor para nos trazer este choque de perspectiva, em trechos de Meditações como este (9.28):

“Observe tudo de cima - os milhares de rebanhos e manadas, as cerimônias humanas, a tempestade e a calma, a criação e a extinção. Considere também as vidas que outrora foram vividas por outras pessoas muito antes de você e as vidas que serão vividas depois de você. Considere quantos nunca ouviram seu nome e quantos em breve o esquecerão.”

Quando estamos no meio de uma situação, esta situação parece ser maior e mais importante do que ela realmente é. Ao praticarmos o exercício de observar por cima, facilmente observamos o quão passageiro é tudo o que acontece conosco, inclusive nossos sofrimentos.

Se o Mateus de 2015 entendesse este conceito, talvez ele teria demorado menos do que 1 ano e meio para sair da depressão.

. . .

Se você está sofrendo agora por qualquer motivo, lembre-se que, no futuro, este momento será apenas uma distante memória.

O que te faz crer que o problema que você possui hoje é gigantesco é a sua ruminação mental.

O seu eu de daqui a alguns anos muito provavelmente irá olhar para seu momento atual com olhares nostálgicos.

E, talvez, o seu eu futuro te diria para apreciar mais o presente, e aproveitar mais o processo de superar dificuldades que hoje parecem intransponíveis.

O seu eu futuro iria te convencer que o seu sofrimento atual não tem o peso que você imagina que tem.

Por que, no futuro, é apenas isso o que os seus pensamentos, sofrimentos e acontecimentos atuais serão... uma boa memória.

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