1. Por dentro da temperança
No estoicismo, coragem, justiça, sabedoria e temperança formam as virtudes cardeais. Aristóteles já chamava isso de mediania: o ponto justo entre dois extremos viciosos. Sêneca resume assim:
“A temperança refreia os prazeres — afasta uns, modera outros e reduz todos a limites justos.”
Quando li esse trecho, percebi que meu problema não era falta de energia, mas a dificuldade de frear essa energia antes que ela me sobrecarregasse.
2. Alta intensidade, baixa consistência — o diagnóstico
Em 2020, identifiquei em mim a falta da virtude da temperança. O padrão era: intensidade → pico → exaustão → abandono. Muita intensidade e pouca consistência de longo prazo.
Hoje entendo que é o efeito acumulativo que nos faz atingir grandes conquistas. É a constância e não a intensidade que está relacionada a virtude.
Abaixo dou alguns exemplos de minha própria experiência e reflexões sobre esse tema.
Maratona em 34 dias: a lesão anunciada

Durante a pandemia (ago/2020) decidi que correria minha primeira maratona em fevereiro do ano seguinte. O marco de treino que diz que você está habilitado para uma maratona é conseguir correr 75% do percurso (~32 km). Sem treinador, aumentei volume todas as semanas: 3 km, 5 km, 10 km… até correr 32 km no 32º dia sem descanso. Um ultramaratonista olhou meu gráfico e cravou: “Se continuar, a lesão é certa.”. Houve a coragem, mas não houve temperança, o que gerou imprudência.
Beethoven em 12 meses: o piano que emudeceu

Comecei as aulas de piano e poucos meses depois quis aprender a tocar “Sonata ao Luar” de Beethoven, algo muito avançado para o meu nível. Meu professor riu e disse que eu provavelmente não conseguiria. Um ano depois, tirei a peça — e parei de tocar. Resultado: assim que a grande conquista foi atingida minha motivação parou.
Vender a empresa: o leque infinito de decisões

Aos 30, vendi meu negócio por dezenas de milhões. Vindo de uma família pobre, tinha passado toda minha vida em um contexto de restrição financeira. De repente “tudo” era possível: qualquer carro, viagem, curso. Ampliou drasticamente o leque de decisões. Passei um ano debatendo comigo mesmo e percebi que liberdade sem critério e prioridade vira ansiedade e indecisão.
Esportes demais, foco de menos

O treino para Ironman e alta montanha me habilitou fisicamente para inúmeras modalidades de prova: natação, corrida, ciclismo e montanhas. Tudo parecia divertido e desafiador. Precisei priorizar um único esporte e cancelar o resto para não me sobrecarregar ou lesionar.
3. O pivô: visão de longo prazo
Depois de muitos tropeços, adotei um “hack” que virou filosofia:
Visão longa → hábitos curtos → efeito cumulativo.
- Meta “grande o bastante”
Entendi que preciso ter uma meta de longo prazo ousada nas áreas da vida que quero manter consistente. Algo que não atinja rápido.
Assim surgiram as metas de atingir o cume do Evereste, impactar 1 milhão de pessoas positivamente, por exemplo. Eram sonhos antigos que materializei com planejamento e execução. Elas me puxam pra constância quando a motivação diária oscila.
Treinar para o Evereste regula minha alimentação, minha rotina de treinos semanais e minha agenda. Dificilmente manteria uma nutrição majoritariamente saudável se não fosse por esse grande sonho, por exemplo.
4. Ferramentas estoicas que uso todos os dias

5. Passo a passo para você praticar
- Escolha UM excesso evidente. Redes sociais? Doces? Cartão de crédito?
- Mensure a realidade. Conte minutos, calorias ou reais gastos durante uma semana, por exemplo.
- Instale um regulador. Ex.: limite de 30 min em apps, “carteira do lazer” de R$ 200, matrícula em prova-âncora.
- Aplique o filtro das virtudes quando o gatilho aparecer.
- Faça o diário filosófico. Escreva a situação-gatilho-resposta-plano de ajuste.
- Celebre a virtude, não o excesso. Em um rodízio de pizza, manter o autocontrole e comer o necessário é virtuoso, comer até “estourar” é vicioso.
6. Reflexão final
Ao finalizar a escultura de Davi, de 4,5m de altura, Michelangelo teria dito:
"Foi fácil, fiquei um bom tempo olhando o mármore até nele enxergar o Davi. Aí peguei o martelo e o cinzel e tirei tudo o que não era Davi!"
Cada ato de temperança faz o mesmo conosco: esculpe, tira excesso, revela a versão serena que já existe sob as camadas de impulso.
Temperar não é viver sem prazer; é governar o prazer para que ele sirva ao nosso propósito, e não o contrário.
A variedade é o tempero da vida. Mas um prato somente de tempero é horrível.