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Leia os Livros I, II e III da nova tradução de Meditações antecipadamente!

Mulheres Estoicas hoje: J.K. Rowling

Lina Távora

Você pode até não ter lido ou assistido aos filmes da saga Harry Potter, mas, sem dúvida, já ouviu falar sobre o universo bruxo desse garoto. A responsável pela criação desse ícone cultural, que continua a conquistar novas gerações, é a escritora britânica J.K. Rowling.

Joanne Rowling (o K em sua assinatura é na verdade emprestado de sua avó e não faz parte do seu nome) estudou Francês e Clássicos na Universidade de Exeter, o que seria útil para criar os feitiços da série Harry Potter, alguns dos quais são baseados em latim. Além disso, o estudo da filosofia sem dúvida entra para a saga em suas narrativas sobre justiça, honra, morte, amigos, propósito e muito mais.

Alvo Dumbledore, o professor e mentor de Harry Potter, traz falas que parecem citações retiradas de filósofos antigos. Logo no primeiro livro, Harry Potter e a Pedra Filosofal, Harry hesita em falar o nome do maior bruxo das trevas e seu grande inimigo. Então, Dumbledore afirma:

“– Chame-o de Voldemort. Sempre chame as coisas pelo nome que têm. O medo de um nome aumenta o medo da coisa em si”.

Chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome, ou seja, retirar as percepções ou julgamentos sobre elas é um grande ensinamento da filosofia estoica. Os estoicos, em especial Epicteto, falam bastante sobre as nossas impressões ou representações (phantasiai) e como devemos colocá-las em perspectiva. Devemos questionar o que sentimos em relação a um fato externo. 

“Quando damos nome às coisas, nós as compreendemos corretamente sem acrescentar informações ou julgamentos que não são inerentes a elas” - Epicteto.

Em Harry Potter e a Câmara Secreta, Dumbledore nos ensina sobre a dicotomia do controle:

“São as nossas escolhas, Harry, que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas qualidades” – Alvo Dumbledore

A dicotomia do controle é essa relação entre o que está e o que não está no nosso poder, nas nossas mãos; e na capacidade de identificar a diferença, agir diante do primeiro e aceitar o que se encontra no segundo grupo.

"1. Das coisas existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa ― em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos ― em suma: tudo quanto não seja ação nossa. 2. Por natureza, as coisas que são encargos nossos são livres, desobstruídas, sem entraves. As que não são encargos nossos são débeis, escravas, obstruídas, de outrem" – Epicteto

Quando o filósofo estoico Epicteto fala que o nosso corpo não está sob nosso controle mas o nosso juízo sim, podemos relacionar com as ideias postas por Dumbledore de qualidades versus escolhas. Podemos entender qualidade como uma característica inata, que não está sob o nosso controle, porém, as nossas escolhas, caminhos, afirmações são encargos nossos! Essa seria a lição a ser ensinada a Harry e a todos nós.

Outro ponto que podemos relacionar com a frase de Alvo é o chamado para a ação. O Estoicismo é uma filosofia prática, que nos convida a agir.

“Portanto, faça sua escolha de maneira direta de uma vez por todas, e cumpra-a. Escolha o que é melhor” – Marco Aurélio, Meditações, 3. 6.

Em Harry Potter e as relíquias da morte, o protagonista precisa encarar e aceitar a morte como parte de seu destino. E esse não é o de todos nós? Em trecho um do livro, afirma-se essa ideia:

“Sua tarefa era seguir calmamente para os braços abertos da Morte”.

Depois de tudo que o garoto passou, é no ato de aceitar a sua mortalidade que sua história será desvendada. É a simbologia do Memento Mori – saiba que você morrerá. Embora a expressão possa parecer sombria, o objetivo de meditar sobre a morte é manter a lembrança acesa de nossa mortalidade, a fim de aproveitar melhor o tempo que temos. É a confirmação do paradoxo: reflita sobre a morte para não desperdiçar a sua vida – com pensamentos ruins, vícios, rancor, raiva etc. 

Para os estoicos, a meditação sobre a morte é um chamado para a vida com propósito e com virtude, seguindo a Sabedoria, a Justiça, a Temperança e a Coragem.

“Você pode deixar a vida agora. Deixe isso determinar o que você faz, diz e pensa” - Marco Aurélio, Meditações, II.11

Harry abraçou essa ideia. Sucumbiu à sua mortalidade. Sem jogos, sem receio, sem mais nenhum rancor.

“Você é o verdadeiro senhor da Morte, porque o verdadeiro senhor não busca fugir da morte. Ele aceita que deve morrer, e compreende que há coisas piores, muito piores do que a morte no mundo dos viventes” – Alvo Dumbledore.

Refletir sobre a mortalidade é um exercício muito difícil, e você não deve forçar se isso traz angústias a você. Siga com doses pequenas, mas não negue o inevitável. Afinal, nosso tempo está chegando ao fim, desde o dia que nascemos.

“Não tenha piedade dos mortos, Harry. Tenha piedade dos vivos e, acima de tudo, dos que vivem sem amor” – Alvo Dumbledore.
“Ensaie esse pensamento todos os dias para que você possa deixar a vida satisfeito” - Sêneca

Fora da saga original de Harry Potter, mas dentro de seu universo, em Animais Fantásticos Rowling nomeou um dos personagens de Aurélio (Aurelius Dumbledore), assim como o imperador Marco Aurélio. Inclusive, em seu site, há um banner com uma imagem do livro Meditações em destaque.

Vidas muito boas

Saindo desse universo de bruxos, poções e feitiços, Rowling traz outras referências filosóficas. Em discurso aos graduandos de Harvard de 2008, ela falou sobre os benefícios do fracasso e sobre a importância da imaginação. O discurso foi publicado posteriormente em formato de livro: Vidas muito boas (Very Good Lives). As palavras de Rowling motivam a termos o nosso ponto de virada na vida, abraçando o fracasso e utilizando a imaginação para melhorarmos a nós mesmos e aos outros. O discurso tem como base as histórias anos após a formatura da escritora, trazendo questões importantes da vida com sensibilidade e força emocional.

Sobre fracasso:

“No final, vocês terão que decidir o que significa fracasso para vocês, mas o mundo estará ansioso para determinar esses critérios, se vocês permitirem” - Rowling

Após alguns anos de formada, ela mesma poderia ter sido considerada um completo fracasso. Divorciada, sem trabalho, sem grana. Mas o “fracasso significa se livrar do que não é essencial”. Então, Joanne passou a direcionar toda a sua energia ao trabalho que tinha significado para ela.

“Se eu tivesse sido bem sucedida em qualquer outra coisa, eu não teria encontrado a determinação para alcançar o sucesso na única arena que acredito que eu pertença”.

Ela disse que se sentiu livre, porque seus piores medos tinham acontecido, mas ela continuava viva, com uma filha que ela adorava, uma máquina de escrever velha e uma grande ideia.

“O fundo do poço tornou-se a fundação na qual eu reconstruí minha vida”. Fracassos grandes ou pequenos, vamos todos enfrentá-los – “a não ser que você viva de forma tão cautelosa, que seria como se você nem tivesse vivido”.

Muitas vezes, as situações mais difíceis são as que mais nos ensinam – sobre a vida e sobre nós mesmos. Pode ser um promoção de trabalho que não foi alcançada, uma nota baixo em uma prova, a reprovação no vestibular ou mesmo um coração partido. Tudo é material para a própria vida! Aprendemos humildade, descobrimos nossa falta de habilidade em alguma área ou simplesmente temos que descobrir de uma forma dura a ter empatia com quem não nos ama mais.

Fracassos, derrotas… São desses momentos que podemos tirar os nossos mais profundos ensinamentos. Não há então porque ficar remoendo o sentimento do fracasso, é preciso virar a chave o mais rápido possível, é preciso transformar o obstáculo no caminho. 

“Não percam tempo amaldiçoando alguma derrota. O fracasso é um mestre mais eficaz do que o sucesso. Ouçam, aprendam, insistam” - Clarissa Pinkola Estés, em Mulheres que correm com os lobos

Pensamos no ego, muitas vezes – eu diria a maioria delas – apenas como algo que nos coloca em uma falsa posição de superioridade. É, porém, uma obra do ego também a autodepreciação. É apegar-se a uma história que já é passado, é achar que a nossa dor tem mais valor do que a dor do outro.  

Façamos, então, como Sêneca e tornemo-nos amigos de nós mesmo nesse processo todo de desenvolvimento pessoal que é a vida. Devemos aceitar as adversidades intransponíveis e aprender com nossas derrotas. Para alcançar esse passo, temos que virar a chave com empatia com nós mesmos e com os outros.

“Que progresso, você pergunta, eu fiz? Eu comecei a ser um amigo de mim mesmo” - Sêneca

Sobre a imaginação: 

A escritora fala sobre a imaginação de uma perspectiva inesperada – relacionando com a capacidade dos seres humanos de serem empáticos, de se colocarem no lugar do outro, de entenderem diferentes contextos e da importância de checar os lugares de privilégio. J.K. remeteu esse aprendizado à época em que trabalhou na Anistia Internacional.

“O poder da imaginação pode funcionar para o controle e manipulação, como também para a compreensão e empatia”.

Porém, para a autora, muitos preferem não exercitar a imaginação, escolhendo ficar confortáveis nos limites de sua própria experiência.

J.K. Rowling termina o discurso com a citação de Sêneca: 

“Assim como uma história, é a vida: o que importa não é o tempo que dura, mas o quão boa ela é”.
Foto de Debra Hurford Brown

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