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Sabedoria como bússola moral

Yon Matos

As quatro virtudes cardeais do Estoicismo

Para o Estoicismo, existem quatro virtudes cardeais: Coragem, Temperança, Justiça e Sabedoria. São estas na verdade as virtudes que devem nortear a vida de estoico. Mas afinal, como discernir e aplicar cada uma delas nas situações práticas da vida?

É aqui que entra a virtude da Sabedoria. 

Conceituando a Sabedoria

Sabedoria é uma palavra derivada de Sophia, que é um termo de origem grega fundamental para a linguagem filosófica. Corresponde a uma forma superior de conhecimento prático que influi na vida de quem a possui. 

No sentido estoico, Sabedoria é ter o verdadeiro discernimento do que é certo e errado, do que é ou não apropriado para determinada situação, e isso pressupõe tanto um conhecimento teórico quanto uma atitude prática diante das questões colocadas pela vida.

Personificação da sabedoria (em grego, "Σοφία" ou "Sophia") na Biblioteca Celsus em Éfeso, Turquia.
“Associe-se com aqueles que irão lhe fazer um homem melhor. Dê boas-vindas àqueles que podem fazer você melhorar. O processo é mútuo; pois os homens aprendem enquanto ensinam” - Sêneca
“Se a sabedoria só me for concedida na condição de a guardar para mim, sem a compartilhar, então rejeitá-la-ei: nenhum bem há cuja posse não partilhada dê satisfação” - Sêneca

Sabedoria como autoconhecimento

Sabedoria também é autoconhecimento e a forma como lidamos com as nossas emoções e sentimentos. Nesse sentido, a sabedoria pressupõe que primeiramente precisamos nos conhecer e saber lidar com os nossos sentimentos de forma saudável, sem nos deixar abater ou influenciar de forma negativa por eles.

“Conhece-te a ti mesmo” é um aforismo grego que revela a importância do autoconhecimento, sendo uma frase bastante conhecida no ramo da Filosofia.

Photo by lilartsy on Unsplash

Sabedoria e conhecimento

Sabedoria não é a mesma coisa que conhecimento. Enquanto conhecimento pressupõe conhecer e saber das coisas, teorias, etc. A Sabedoria está na ordem prática da vida, em saber se conduzir pela vida, em saber se relacionar com as outras pessoas. 

Uma pessoa pode ter muito conhecimento sobre um determinado assunto, mas não o colocar em prática, não o testar no seu dia a dia. Nesse sentido, podemos perceber que a filosofia antiga, como bem coloca o escritor Pierre Hadot, era um modo de vida, ao contrário da filosofia apenas como cátedra universitária que conhecemos no mundo moderno.

A Sabedoria no Estoicismo

Na visão estoica, a Sabedoria é o conjunto de virtudes do Sábio, que inclui Moderação, Justiça e Coragem. Além disso, também engloba a compreensão da ordem cósmica, a qual se vincula à ordem moral do autodomínio e da justiça.

A Sabedoria corresponde ao atingimento perfeito da faculdade da razão, por meio do qual o homem compreende os desígnios do universo para si mesmo, tornando-se feliz. Mas essa compreensão só poderá ser atingida mediante o estudo e a prática do Estoicismo em sua vida diária.

Desta forma, deve-se entender a Sabedoria estoica como a soma das qualidades e e das virtudes do sábio. É  a compreensão dos desígnios do cosmos para o universo e para os homens.

Por fim, a Sabedoria pode ser entendida como a conformidade da reflexão e da ação do sábio com as leis da natureza, como essa compreensão da razão humana em relação a todos os acontecimentos do universo.

Como adquirir a sabedoria

A Sabedoria não nasce com a gente, não nascemos sábios, temos que desenvolver a Sabedoria através das experiências da vida e também através do estudo. Nesse sentido, pontuou Sêneca:

“Por que você espera? A sabedoria vem ao acaso para nenhum homem. O dinheiro virá por si mesmo; títulos serão dados a você; influência e autoridade serão talvez impelidos sobre você; mas a virtude não cairá sobre você por acaso. Nem o conhecimento dela pode ser ganho por esforço leve ou pequeno trabalho; mas trabalhar vale a pena quando se está prestes a ganhar todos os bens em um único golpe.” - Sêneca, Cartas a Lucílio 

A sabedoria é uma virtude muito valorizada no Estoicismo desde o seu nascimento enquanto filosofia. Zenão de Cítio, considerado o fundador do Estoicismo, disse que recebemos dois ouvidos e uma boca por um motivo: devemos ouvir mais do que falamos.

De início, já temos uma pista sobre como adquirir a Sabedoria: ouvir mais, ser mais receptivo às nossas próprias experiências e as experiências alheias, entender que nada sabemos. Sócrates, que foi considerado o homem mais sábio de Atenas em sua época dizia: só sei que nada sei.

O Sábio Estoico

“Porque o desejo implica uma necessidade, e nada é necessário ao homem sábio” - Sêneca

Inicialmente, é importante pontuar que o Sábio Estoico é um ideal a ser buscado dentro da filosofia estoica, é um norte. Não sabemos se é possível atingir tal ideal de perfeição ou se realmente já existiu um perfeito sábio estoico, mas devemos buscar esse modelo, pois vamos melhorar como pessoa no exercício desta busca.

Observadas as devidas diferenças e peculiaridades de cada indivíduo, o Sábio Estoico é alguém que não se abala diante das dificuldades da vida, sejam elas quais forem. Esse comportamento do sábio é proveniente do entendimento completo da ordem oculta por trás de todos os acontecimentos. 

O sábio tem a Sabedoria, conhece a ordem e a razão de tudo, portanto está tranquilo quanto aos desdobramentos do mundo, nada o surpreende, como diria Sêneca, tudo o que pode acontecer, eventualmente acontece e o sábio está preparado.

Desta forma, o Sábio Estoico entende que tudo o que existe, tudo o que acontece, está de acordo com a Natureza, com a ordem cósmica, inclusive as catástrofes naturais. Esse entendimento se dá não só no plano intelectual, como também no nível psicológico, motivo pelo qual nada abala a serenidade do sábio, e é justamente isso que diferencia o sábio do homem meramente intelectual.

O fato de alguém considerar má alguma coisa que existe, é proveniente da incompreensão da natureza das coisas. Ademais, é justamente dessa ignorância da natureza das coisas que deriva os vícios humanos, que nada mais são que atitudes em desconformidade com a razão.

O Sábio, portanto, é alguém que foi capaz de suprimir essas paixões, ou seja, esses sentimentos e emoções não saudáveis.

Marco Aurélio e Epicteto: o imperador e o escravo praticando a Sabedoria

“O homem sábio não é prejudicado pela pobreza, pela dor ou por qualquer outra tempestade da vida. Pois todas as suas funções não são restringidas, mas apenas as que pertencem aos outros; ele mesmo está sempre em ação, e é maior em desempenho no momento em que a fortuna bloqueia seu caminho[...] Assim, o sábio desenvolverá a virtude, se puder, no meio da riqueza ou, se não, na pobreza; se possível, no seu próprio país – se não, no exílio; Se possível, como comandante – se não, como um soldado comum; se possível, em boa saúde – se não, enfraquecido. Qualquer que seja a fortuna que se encontre, conseguirá algo digno de nota.” - Sêneca

Seja um imperador como Marco Aurélio ou um escravo como Epicteto, o sábio será o mesmo no que se refere à compreensão perfeita das coisas e à impassibilidade diante das dificuldades da vida. No entanto, suas atitudes podem ser diferentes, em razão das diversas circunstâncias de cada um, mas as ações são igualmente virtuosas e sábias.

O sábio, na condição de escravo, vai agir virtuosamente como um escravo, e um imperador, como imperador, diante dos desafios de cada momento.

Então, não existe, externamente falando, algo que possa diferenciar o sábio de uma pessoa comum. Nesse sentido, o sábio não será necessariamente mais bem-sucedido profissional ou financeiramente que as outras pessoas. Se um ex-escravo e um imperador podem ser considerados aptos à sabedoria, qualquer outra pessoa também pode.

A Sabedoria estoica nos dias de Hoje

“É preciso conciliar nossa vontade com os acontecimentos de tal maneira que nenhum fato ocorra contra nossa conveniência, e que também não haja nenhum evento que ocorra quanto não o desejamos. A vantagem para aqueles que estão assim prevenidos é de não falhar em seus desejos, de não se deparar com o que detestam, de viver uma vida sem dificuldades, sem temor e sem perturbação.”

Em minha humilde concepção, não vamos encontrar a sabedoria hoje em dia naquela construção  fantasiosa de um velho barbudo retirado nas montanhas. A sabedoria está em melhorar nos pequenos e nos grandes desafios da vida cotidiana. É a paciência diária com os familiares, é contribuir enquanto pessoa na comunidade, é aceitar que muitas coisas estão além do nosso controle e conviver bem com isso.

Para muitas pessoas hoje em dia, a ideia de não se deixar levar pelos desejos, de não se perturbar com catástrofes, de buscar manter a serenidade e a tranquilidade mesmo diante das maiores dificuldades da vida, pode parecer loucura.

Assim, a Sabedoria, aos olhos da maioria, é algo inatingível, pois repousa numa visão de mundo, numa cosmologia cuja compreensão íntima requer um esforço teórico e prático fora do comum. No entanto, é exatamente por este motivo que a Sabedoria Estoica se diferencia dos discursos usuais. 

Para o estoico moderno, agir com sabedoria não é algo tão distante, e a oportunidade desta ação virtuosa pode ser encontrada ainda hoje, em uma situação que normalmente nos deixaria magoados, preocupados ou raivosos. Aí é que mora a oportunidade de pequenas ações feitas com Sabedoria. 

Se vamos chegar um dia a ser o sábio estóico, não é um problema de hoje. Neste momento, nossa questão é apenas ser sábio agora!

* Texto desenvolvido a partir da Ágora sobre Sabedoria da Nova Stoa


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Lina Távora
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